À boleia pela Vida... Viajar por Dentro e por Fora!

Dois meses mudaram toda a minha Vida. Sem esses dois meses e sem as pessoas com quem me cruzei não seria quem sou hoje. Hoje sou viajante! Mais que nunca! Planos para o futuro: Viver os meus sonhos! Fazer o que me preenche. Mostrar ao mundo que é possível viver os sonhos. Sempre!

Thursday, May 24, 2007

Parma - Sevilla - Lisboa...

Cheguei de Parma ontem.

Depois de um almoço à pressa às 16h, saí para ser deixado na portagem à porta da autoestrada para Milão. Porta que não demorou muito a me deixar entrar. Depois de entrar, tinha que continuar pelos seus corredores. Depois de estúpidas voltas em autoestradas e ligações de autoestradas que não conheço, calças rasgadas por redes de segurança (de quem? Ou de quê?) e muitas horas ao sol com destino escrito na mão, lá arranjo boleia em direcção a Milão e percebo que não me apetecem os dois restantes troços de estrada.

Estou cansado e com pouca paciência. Não sou por isso bom companheiro de viagem e, afinal de contas, tenho um avião para apanhar e já se faz tarde. Decido apanhar o comboio de Milão para Bergamo. Afinal o som das ligações dos carris também me faz sonhar.

Chego a Bergamo e sou escandalosamente convidado para uma trafulhice qualquer. “Ainda há um autocarro às 00h. São só 22h30. Anda que eu pago-te uma cerveja..” Não obrigado. Sinto que não. Talvez deva praticar um pouco as suas capacidades de representação.

Chego ao aeroporto pouco depois para uma espera de longas horas até ao meu vôo das 6h35 para Sevilha. Digamos que a parte mais entusiasmante (por ser diferente) da noite foi o check-in. No ecrã das partidas via-se que os balcões de check-in 7, 8 e 9 estariam abertos para o vôo da Ryanair para Sevilha. Chegada a hora avisaram que afinal era só no 7. As duas outras filas (há algum tempo formadas) tiveram que se juntar. E ordem? E chegadas primeiro? E agora? De repente senti que já estava em Portugal. Depois assisti a uma agradável discussão entre uma passageira espanhola e a assistente italiana da RyanAir. Se a italiana, invulgarmente, conseguia falar inglês, a espanhola pouco percebia. Ao fim de poucos minutos tínhamos italiano a ser respondido com espanhol. Deveras interessante para quem olha de fora.

Dos primeiros a fazer check-in, dos primeiros a entrar. Escolho o único lugar que faz juz ao meu tamanho “extra-esperado”. Junto da porta da frente, junto à janela para esticar as pernas sem incomodar a tripulação.

Duas horas e dez minutos de incómodo. Sentado, sem paisagens, a tentar dormir mas com crianças aos saltos à minha volta. O sinal dos cinto de segurança não devia ficar sempre ligado para crianças? Mesmo que estivesse não me parece que muito mudasse.

Chego ao aeroporto de Sevilha às 9. Sol, calor, muita espera e boleias que me deixam um pouco à deriva. Não há estações de serviço nas autoestradas por isso fico sempre em rotundas, em entradas de auto estrada. Sempre com um papel com o destino traçado e de dedo no ar. Demoro 7 horas a sair de Espanha. 7 horas a percorrer 150 km. Felizmente saí cedo do aeroporto por isso tenho bastante seguro que chegarei antes de anoitecer. Mas 7 h para 150 km?!

Quando entro em Portugal uma boleia traz-me de Ayamonte a Vila Real de Sto. António. Minutos depois sou trazido à estação de serviço de Loulé e daí após alguma espera uma boleia que me traz directamente para Lisboa. Sim, em Portugal já sei eu como funcionar. Pelo menos em algumas das autoestradas.

Chego a casa, janto e às 21h30, depois de um dia psicológica e fisicamente duro, deito-me. Depois de uma noite em branco, ou num cinzento sujo, deito-me na minha cama. Para só acordar 13 h depois.

Friday, April 27, 2007

por isto vou...

Vejo um documentário sobre Buena Vista Social Club.

Perguntam-me e, mais importante, pergunto-me: “Por que vais tu?”

Neste documentário percebo. Com uma lágrima no olho percebo. Por isto. Vou por isto mesmo. Pelas cores. Pela música. Pelo sorriso. Pelas cores. Pela Latino America. Para ver isto e aprender. Aprender com as pessoas. Aprender com o sorriso do que passa por mim. Aprender com o “Oje tio. Que tal?”

Por isto só. Por isto e para dar as minhas mãos. As duas. Agarrar na terra, deixá-la fugir pelos dedos para cair no sítio onde ela pertence. Deixá-la cair no seu chão e dizer: “Aqui. As duas mãos aqui. Quero ajudar e conhecer aqui.”

Por isto, só, quero ir. Para ver tudo isto.

Por isso vou.

Saturday, March 10, 2007

"vive devagar e parte depressa"

"Poucos turistas, como se compreende, acabam por conhecer verdadeiramente a Tunísia. Porque, como em todo o lado, o princípio da excursão, do grupo, do programa fixado por agência à partida, é inimigo da descoberta, do encontro, do improviso.
À noite, nos hotéis, organizam para estes sedentários das cidades da Europa exibições de folclore local, com "jantares típicos" em tendas montadas no jardim do hotel, com dois berberes com os respectivos camelos pela arreata fazendo a guarda de honra e prestando-se a sucessivas sessões de fotografia e filmagem ao lado das Madamos Dupont, Müller ou Silva, enquanto os respectivos maridos, de handy-cam em punho, procuram os enquadramentos mais exóticos, para mais tarde mostrarem aos amigos as "aventuras" vividas chez les arabes."

"Por exemplo, parar numa esplanada de um café à beira da estrada, encomendar umas costeletas de borrego grelhadas com salada e chá e no fim pedir uma chicha, um narguilé, o cachimbo de água com o tabaco mais suave e aromático do mundo. E para ali ficar, fumando tranquilamente, de conversa ou simplesmente em meditação, enquanto o tempo passa. E deixá-lo passar, como se tivéssemos toda a eternidade à nossa frente."


Miguel Sousa Tavares


in Sul - Viagens

Thursday, March 01, 2007

brasileiro por um dia...

Confesso: menti.

Menti com todos os meus dentes. Fingi ser quem não sou. Ainda por cima para quase uma centena de crianças.


Confesso: menti.



Mas já lá vamos. Primeiro vamos contextualizar.



Quanto a pormenores da viagem que não estejam relatados aqui, perguntem-nos. Porque se não metade da viagem seria passada a escrever sobre a metade vivida.. Por muito interessante e sedutor que isso se possa mostrar, não obrigado.


Ramboia da boa no Karneval de Köln, kms a pé na futura cidade submersa de Amsterdam (talvez então se resolva o problema de qual é, afinal, a capital dos Países Baixos..)...

(um aparte: alguém sabe a diferença entre Países Baixos e Holanda? Serão equivalentes? Serão as duas utilizadas correctamente? fica a questão.. Live and Learn)

... uma visita a Delft no dia de anos de um amigo (na verdade fomos de propósito porque ele estava doente.. nããããããã)..

Chega então a altura de partir para as nossas três estações finais.

Primeiro, ficou na mira conhecer pessoalmente aquele que será o meu "patrão" daqui a uns meses no Brasil. Passagem, portanto, por Maastricht (leia-se másstrirrrrt). Aliás, por Spaubeek, perto da primeira.
Saímos de Delft um pouco tarde demais e depois de algum trânsito ficamos 2h a secar (mas contraditoriamente à chuva) numa estação de serviço perto de Breda. O emaranhado de autoestradas daqueles pequeno país não ajuda muito quem viaja desta forma hiper-cultural, environment-friendly e barata como nós!

"É a tua vez não é?"

Lá conseguimos sair daquele cu do mundo (eu e a Di já equacionávamos lançar uma bomba atómica sobre Breda e anunciar na rádio que quem se deslocava para Breda dever-se-ia agora deslocar para Eindhoven ou Maastricht). Chegamos perto de Eindhoven e a paciência macerada pelas duas horas de espera à chuva com um papel a dizer "Eindhoven =)" fez-nos desistir de tentar chegar a Maastricht à boleia. O sentimento de derrota e o orgulho ligeiramente ferido, colmatado por prioridades maiores, conhecer aquele que me guiará num passo importantíssimo da minha Vida futura, levou-nos a pedir boleia para Eindhoven para então apanhar o comboio para Spaubeek.


Assim fazemos. "Mais 15 minutos?" "Errrrr... Mais três carros vá!" "Pronto, ok, vamos já pedir àquela senhora que disse que nos levaria até à estação de comboios."

Assim fazemos. Senhora super simpática. Falamos das nossas experiências até então. Relatamos estórias impressionantes que dois putos viveram em duas semanas de loucura. De aventura. De união. De partilha e de sorrisos que ficarão para sempre. "Percebeste?"



Ela faz uma chamada. Com o meu pouco alemão tento perceber o neerlandês dela. Consigo perceber "2 jovens", "Maastricht", "portugueses", "Eindhoven" e pouco mais. Recordando a viagem com o camionista Angel, pergunto-me se estará a tentar arranjar boleia de Eindhoven para Maastricht.

Desliga o telemóvel.

"OK, vou dormir a Maastricht"
"Fico com uma amiga e amanhã de manhã volto para Eindhoven."

Em 3 segundos muda de planos. Porquê? Só me pergunto isto: PORQUÊ?
Não estamos afinal no mundo dos terroristas, da ETA, da Al-Qaeda, do Bush e do urânio enriquecido no Irão, da alemã que foi morta por um homem que lhe deu boleia na Nova-Zelândia? Onde a gasolina é cara demais e todos vivemos com pressa e sem tempo para nada que não esteja previsto.

Que mundo é este em que as pessoas decidem continuar por mais 90 ou 100 kms para nos deixar onde queremos chegar?

É que eu não devo viver no mesmo mundo que os outros então. Até me repreendem por levar amigas atrás e "arrastá-las para o perigo", "incutir-lhes a minha doutrina".
Que mundo é este então? Ou será que o mundo sempre foi este e nós é que vivemos com medo dele? Eu e a Diana sabemos que, pelo menos esta senhora e as restantes 30 ou 40 pessoas que nos deram boleia nesta viagem, irão para casa e talvez reavaliem o mundo em que vivem. Talvez adormeçam pensando: "Afinal o mundo não é tão cruel como eu pensava."

Sim, esse é um dos motivos, entre outros tantos, que me leva a viajar à boleia.


Voltando à estrada..

Somos deixados perto de casa do Bart ao frio, um pouco de chuva e literalmente em Nenhures. Só faltava uma placa a anunciá-lo.

Chega então o Bart.
Horas antes equacionei esquecer esta paragem e seguir directamente para casa da Mosca. Minutos depois perceberia o erro que cometeria se assim fizesse.

Ficamos umas horas a falar. Não sei quantas. Não contei. Não consegui. Estava demasiado imerso em cada movimento dos lábios dele. Em cada som que emitia. Em cada expressão.
Esta é a pessoa que dirige o projecto a quem vou entregar a minha vontade e o meu idealismo. A ele em detrimento de milhares outros projectos pelo mundo fora. Até então não tinha registado mais que um site, umas fotos e uma entrevista telefónica de meia hora.

Agora estava frente a frente com ele e queria saber TUDO. Fiquei horas a falar. A conversa afunilou cada vez mais e a certa altura os nossos olhares quase não se desviavam. A Diana percebia tudo mas não estava no nosso comprimento de onda. Ou estava porque lá dentro sente-se feliz por mim.

Horas de avaliação constante. Descontraída, não oficial, implícita. Mas ele escolheu-me a mim enquanto voluntário que ficará por inteiro ao encargo da Casa do Caminho. Eu escolhi-o a ele e a este projecto para me dedicar e entregar. Como em nada antes na minha Vida. Nenhum de nós se pode enganar no início. Apostar numa casa construída sob areia é um plano falhado à partida.

Vou me deitar e o sentimento que me vem à cabeça é aquele que sempre vem quando penso no meu ano que vem. Assombramento. Respeito profundo como de quem mergulha no mar às duas da manhã. Fascínio mas um medo de morte. Questiono o "tamanho dos meus huevos" como disse o Angel.

Não consigo respirar. Sento-me e o meu cérebro pára. Pára como tem parado tantas vezes nos últimos tempos porque não consigo digerir e computar a aposta que vou fazer. Pára porque desconheço. Como nunca antes desconheci. Pára porque de repente sinto que "SIM, é isto que eu quero" E sinto isso como nunca antes. Como outros sentimentos que tais têm aparecido ultimamente noutras áreas. E percebo então a força dos meus sonhos.

"Porque os sonhos, quando são alimentados são mais forte que uma tempestade."

Deito-me. No dia seguinte vou ver uma apresentação do projecto a uma escola. Não me posso atrasar. Ponto de encontro: às 8h na cozinha.

A minha imunidade ao despertador assusta-me. Assusta-me de tal forma que não consigo dormir. De duas em duas horas olho para o despertador para me certificar que não estou atrasado. Às 6 decido levantar-me e ir escrever. Não consigo ficar na cama. Dormir é demasiado stressante.

Às 8.30 estamos na escola. Preparar o DataShow, preparar tudo, balões, um ponteiro improvisado feito de Legos.
Começa então a apresentação. E aí vejo como a massa das crianças responde aos bonecos, aos sons, às mensagens, à identificação pessoal e por fim percebem que são as crianças de rua que agora estão na Casa do Caminho.
O Bart diz: "Eu trabalho lá e o Miguel (leia-se Miguuuuel) também. O Miguuuel é brasileiro" Então todas se viram para mim e ficam fascinadas. Está aqui uma pessoa de lá. Do outro mundo. Do outro lado do Atlântico. Do sítio onde as crianças não têm Playstation, nem cachorros quentes nem 1 computador por cada duas delas.

"Oi"


A cena repete-se com os mais velhos. Aí já acima dos 10 anos. Mais uma apresentação. Falar sobre o Ronaldinho, o Carnaval e a Capoeira. Mostrar no mapa onde são os Países Baixos e onde é o Brasil (não o Brasil não é na Rússia como pensava uma menina das pequenas). Falar dos problemas e perceber que podemos, com pouco ajudar. Com fotos, e-mails, vídeos. Mostrar um pouco do nosso mundo a essas crianças. Deixam algumas mensagens gravadas em vídeo para que os novos amigos que estão a milhares de km possam ver quando o Bart partir de novo para o Brasil no dia 11 de Março.

Uma vez mais ele "mostra" o brasileiro que veio com ele. Os olhos viram-se e automaticamente calço o maior sorriso que tenho. Porque não concebo sequer outra forma de responder ao silêncio e fascínio daqueles olhos que estão agora a aprender que o mundo não é todo como o deles.

No final batem-se palmas e agradece-se a apresentação ao Bart. Eu levo na minha menina nova mais de 100 fotos desta manhã que marcará a minha Vida.
Então a mãe do Bart diz-me: "Estão ali umas meninas que querem o teu autógrafo."
Elas ficam histéricas quando entro na sala de aula. Mas o que elas sentem depressa se alastra a eles.

Numa questão de segundos tenho dezenas de miúdos e miúdas à minha volta com um papel estendido onde está escrito o primeiro nome deles para eu saber porque o brasileiro não fala neederlands e poderá não perceber quando eles dizem os seus nomes.

Passados dois ou três papeis percebo que estou, pela primeira vez, a responder em nome da Casa do Caminho. Não sou eu quem deixa aquelas palavras às dezenas de crianças. É sim a Casa do Caminho. Percebo então que tenho que deixar uma ponte. Tenho que continuar o que o Bart fez e pôr o meu tijolo na construção daquela ponte entre o Brasil e os Países Baixos. Entre crianças de cores diferentes mas interesses e instintos iguais. Entre a Lynn e o Edmilson.

Respiro então fundo antes de papel e espero que cada um daqueles papeis deixe uma pequena lembrança no coração de cada criança. Que talvez uma ou outra daqui a uns anos esteja atrás do computador e fazer o que eu faço ao traduzir textos para o site. Que uma ou outra arrume a mochila e dedique um pouco da sua Vida a ajudar as pessoas do outro lado do mundo, mesmo que este seja ao sair da sua porta.

Então espero que cada um deles se lembre daquele dia. Do dia em que o Miguel mentiu a dezenas de crianças fingindo ser brasileiro. No dia em que o Miguel disse que gostava de futebol e de capoeira e que os seus 5 irmãos tinham ficado no Brasil.


"Os meninos da Casa do Caminho ficam à espera das vossas fotos e e-mails. Um beijo do Miguel para a Nina."

"Vai uma partida de futebol? Os meninos da Casa do Caminho ficam à tua espera. Aparece! Um abraço para o Stefan do Miguel"

"Um sorriso quente e um pouco de samba de todos os meninos e meninas da Casa do Caminho para ti. Um beijo para a Lynn do Miguel"



Então as raparigas mais velhas disseram: "Mas eu para o ano já não estou na escola e não vou conseguir ajudar no projecto "Jaar Casa do Caminho" (Ano da Casa do Caminho). O que é que eu posso fazer então?"


Sim, Bart. Conseguimos.


Obrigado

Tuesday, February 20, 2007

estrada, alcatrão, esperas e surpresas... muitas...

Finalmente regressa a vontade de escrever, talvez por regressar também a inquietação da estrada e o chamamento do alcatrão.
Talvez porque o vento frio da Alemanha me beije a cara e me diga, até à próxima. Vai, mas volta logo.
Talvez porque, afinal, a estrada foi feita para isso. Para que as trocas se dessem entre os romanos. Para que os mensageiros corressem a avisar os reis. Para que um mundo à distância de um clique se pudesse realmente ver e não só e-comunicar. Para que eu largasse tudo, vestisse a segunda pele, a da mochila, apertasse o feixe éclair do casaco, inspirasse fundo antes de sair de casa e me fizesse à estrada. No Verão passado, na sexta-feira, depois de amanhã, em Setembro e sempre.
Sozinho ou acompanhado. Não é, Diana?

Uma vez mais me questiono acerca do modo que escolho para viajar. Se é para tomar uma decisão destas, que seja um tanto ou quanto ponderada e reflectida. Que justifique os fins, apesar de ser, afinal de contas, um fim em si mesmo. E ao aperceber-me disso sorrio pois encontro a minha resposta. Viajar à boleia é isso mesmo, um fim per se.

Há meses apostei com um polaco, membro do Hospitality Club, que recebi em casa, que conseguiria atravessar a Península Ibérica toda em um dia. “Louco, insano.. Impossível!” exclamou ele entre abertas gargalhadas.

Ontem enviei-lhe um mail dizendo: “Não só chegámos a Barcelona em menos que um dia, como chegámos a Colónia em menos que dois.”

Assim foi, cerca de 2600 km em menos que 48h de boleias. Para ser mais exacto, foram exactamente 41h de boleias, somente intervaladas por 3h30 de sono e uns momentos de descanso antes e depois de dormir, na doce companhia da nossa anfitriã e amiga Cebola e ao sabor de fantásticos croissants catalães.


7.32 nas bilheteiras de Entrecampos para apanharmos o comboio da Fertagus e seguir para a margem-sul até à estação de Foros de Amora. Daí, atravessar por baixo da A2, saltar por cima de uma rede para entrar na estação de serviço do Seixal e começar o nosso caminho por alcatrão português.
OK, apanhámos às 7.52. Já se sabe que manhãs não são o meu forte.
Às 8h e pouco estávamos prontos para começar.
5 carros para percorrer os cerca de 300 km até Badajoz. Uns mais silenciosos, outros mais animados. Outros que tais até com quem se fala da vida e da forma como acabamos por não ser quem desejávamos ser enquanto jovens. Como muito nos passa ao lado e como “com a vossa idade fiz algumas loucuras mas realmente viajar assim nunca viajei”. Ou então não.
Fala-se de segurança. Fala-se de destinos. Fala-se de aventuras. Ou não se fala de todo. Por vezes sabe bem também, já diz a Diana que depressa aprende o sabor do que isto realmente é. “Ao início tive medo mas depressa percebi que tudo estava tranquilo.” Sim, Diana. No pasa nada, diriam os nossos vizinhos. Que bien!

Chegados a Badajoz paramos. Estômagos mais delicados requerem cuidados mais regrados. Se o meu permitiu perder 5 quilos no Verão, desta vez vai ter que fazer um pouco de mãe e cuidar do dela.
Comemos e já passa das 13h. Daqui a poucas horas já caiu o sol e só estamos a um quarto do caminho desejado. Começa a parecer difícil.
Alguma espera mas eventualmente um rapaz oferece-se para nos levar até à próxima estação de serviço. Mas só um pouquinho pois é ilegal levar mais que um passageiro em camiões TIR. A princípio não gosto do aspecto dele. Preconceito estúpido, eu sei, mas na posição vulnerável na qual estamos há que ter “cuidados” redobrados, já diz o sábio e preocupado amigo Pedro Lima. O instinto não me diz que não por isso seguimos com ele. Depressa percebo que o instinto tem muito que aprender e viver. O que seriam uns minutos acabam por ser mais que 500 km que nos leva além de Madrid, nos fala do que é ser camionero, do que é viver sozinho na estrada e estar em casa e com os seus só 36h por semana. Nome curioso e adequado, Angel.
Levanos até uma estação de serviço e quando perguntamos a um casal se nos pode levar até Zaragoza, ele sai disparado para falar em nossa defesa, lutar pela nossa causa porque estes portugueses são locos e querem chegar a Barcelona ainda hoje. Despedimo-nos dele que olhou por nós, quebrou regras por nós, viu um pouco da vida e mostrou um pouco também através dos nossos olhos e ouvidos. Não sem antes tirar um terço que tem pendurado na cabine do seu menino e dizer “Para dar boa sorte e para que viajem em segurança. Agora ou me vão devolver o rosário a Múrcia, ou me escrevem uma carta a contar as vossas fantásticas aventuras e enviam o rosário num pacote.”

Curioso como aquele que a início se mostrou “de desconfiar” se torna no final um dos anjos que realmente nos acompanhou no caminho, nos iluminou e aqueceu, nos permitiu chegar são e salvos ao nosso destino, sendo pessoas diferentes daquelas que éramos quando às 7.32 estávamos atrasados para o comboio para a margem sul.

Preconceitos estúpidos.

O casal convencido leva-nos até antes de Zaragoza mas não parece haver muita gente a passar e menos ainda a nos querer levar. Levam-nos então para uma estação de serviço depois da cidade e a muito custo, depois de dizermos que não se têm que preocupar, partem desejando-nos uma grande viagem.

OK, está complicado. À 1.30 telefonamos à Cebola a dizer que dormimos no hotel da estação de serviço e pagamos €50 por um quarto duplo. Parece que perdemos a batalha. Até que aparece o Miguelito, que trata o seu menino de várias toneladas como um filho. Sim levo-vos até à próxima estação. Não posso levar mais que isso porque se for apanhado posso perder a minha carta de condução e eu vivo disto. Uns minutos depois diz-nos que se não encontrarmos ninguém nos leva até Barcelona. Mais 300 km de caminho na companhia de uma nova pessoa. Mais uma experiência óptima e tranquila. Dormimos à vez na cama enquanto o outro faz companhia ao Miguelito. Chegamos enfim aos arredores de Barcelona, comemos algo para o estômago não se queixar em demasia, arranjamos uma boleia para a cidade e em poucos minutos estamos à porta de casa da Cebola. Quem diria que tão cedo voltaria a esta cidade.

São 7 horas da manhã. Bom dia Cebola. Boa noite Cebola.

A nossa mãe Cebola trata de comprar pão e croissants para os meninos. Desejado banho, pequeno almoço, conversa e vamos que se faz tarde. Saindo às 13h é óbvio que não chegamos a Colónia nesse dia. Mas também não há pressa. Estamos de férias.

Com umas quantas boleias chegamos à França. Um quarentão que tem sempre a prancha de snowboard e as botas expectantes por um pouquinho só de neve nos Pirinéus. Um casal de fumadores industriais que vão a Espanha para comprar tabaco para o mês todo. Um senhor dos seus 60 anos que avisa logo “Olhem que eu ando a 150 ou 160 km/h!” e quase se esquece que nós queremos ficar na estrada no caminho para a Alemanha. Por fim chegamos a uma estação perto de Nimes já por volta das 18h. Telefonamos para um membro do Hospitality Club de Lyon dizendo que estamos a cerca de 250 km de distância e que por volta das 22h estaremos lá para passar a noite. No dia seguinte retomamos a viagem.

Pela primeira vez recusamos uma boleia que nos poderia levar até à próxima estação de serviço, a 35 km, mas que não sabemos se nos deixaria numa posição melhor. Não sabíamos nós o que nos esperaria depois de termos recusado essa boleia. Digo à Diana: “Agora o ideal seria um carro bom que nos levasse até Lyon. São rápidos e seguros. Já chega de TIRs que só viajam a 90 km/h”.

Chega um jipe Toyota novo e com ar de ser uma senhora máquina. No interior, um quarentão com ar duro. Pergunto se vai para Lyon. “Não! Porquê?” “Estou com uma amiga minha e procuramos uma boleia para Lyon.” Não responde, limita-se a fechar a porta. Até então ninguém fora tão rude quanto esta personagem. Volto para perto da Diana e parece que a criatura me chama. “Allez! De que origem são vocês?” que raio de pergunta racista é essa? Somos portugueses. “Allez!” Podemos ir.
Parece um pouco stressado demais para o meu gosto. Pergunto-me se será boa ideia irmos com ele. Questiono atentamente o meu gut-feeling para tentar perceber o que me tenta dizer.
Entramos e dizemos que vamos passar a noite a Lyon a casa de um amigo. “Et toi?” “Vou para a Alemanha.” Ui. Pára tudo! “Para onde exactamente?” “Para Colónia.”
Os meus olhos cruzam os da Diana. Não pode ser. É impossível. De repente ficamos histéricos e ele começa a ficar preocupado. Pode nos levar até Colónia? Também vamos para lá. Sim, se quiserem. Que sorte fantástica! Ligo ao Fernando, anfitrião, colega e amigo agora residente em Colónia. “Não imaginas a sorte que tivemos. Temos boleia até aí deste Nimes! Estamos aí daqui a umas 8 ou 9 horas!”

Essa viagem é indescritível. Desde falarmos de história de Portugal e da ex-União Soviética, sobre o divórcio dos meus pais e do dele com a ex-mulher, a vermos fotos do filho de três anos e ser-nos oferecido o jantar numa bomba de serviço… Temos tempo para falar. Felizmente é uma pessoa interessante e com muita vida nos dedos duros de quem passou já por muito e olha desconfiado para jovens que escolheram viajar assim. No final dizemos adeus e obrigado por tudo. Não demonstra grande emoção mas sabemos que lá dentro algo abanou. 1134 km juntos. Muita conversa partilhada. Gargalhadas, conselhos de vida, opiniões histórico-sociais, conversas sobre amor, relações e aquela que nos é querida mas que está longe.

Somos cumprimentados pela Alemanha com um frio de rachar às 6 da manhã. Um empregado da estação de serviço leva-nos até à sua cidade onde há uma estação de comboio e em 25 minutos estaremos na estação central de Colónia. Boleia um pouco rápida demais. O estômago frágil finalmente protesta rejeitando o leite de soja com aroma de banana. Saudades do Mimosa magro.

Chegamos a Colónia e lá encontramos restos da festa animal que é o Carnaval. Mas não um Carnaval de um dia ou uma noite. Um Carnaval de uma semana inteira. De pura loucura. De quando os alemães se esquecem das regras e da alegada frieza e “soltam a franga”. Chegamos a uma residência onde está o Fernando. São 8 da manhã.

Subimos. A Alemanha cumprimenta-nos mostrando-nos um esquilo que acordou cedo para procurar comida. Sim Diana, chegámos. “Querem dormir?” pergunta o Fernando. “Ah ainda bem.. Eu também.”

Sim, queremos. Até amanhã Fernando. Ou até daqui a um bocado.
Entreolhamo-nos e percebemos: amanhã acordamos e ficamos. Chega de estrada. Está na hora de largar as malas e andar a pé. Bem-vindos à Alemanha, país onde todas as portas de casa de banho se fecham da mesma forma.

Até quando? Até o alcatrão voltar a chamar por nós.


E como facilmente se percebe, este texto demasiado grande não retrata nem um sexto do que realmente se passou nessas 48 horas de estrada a dois olhos, dois pares de pernas e dois sorrisos. Nada substitui a presença de outra pessoa e a partilha do que vivemos.

Saturday, February 17, 2007

a dois...

Hora de novos rumos.
Um novo par de pés acompanha, um novo par de olhos vigia.. Um sorriso com quem partilhar.

Parecia impossível mas é verdade: 1200 km em 23 h! Mas não foram uns 1200 km quaisquer.. NÃO! Foram 1200 km que atravessaram a Península Ibérica de um ponta à outra. Lisboa - Barcelona.

Hora de desayuno, escritas para mais tarde

Next stop, Colónia? Talvez nos fiquemos por Lyon ou Freiburg.


D & M

P.S.- Viva os camiões TIR e os solitários anjos que os guiam. Levamos no bolso um terço para dar sorte no caminho. No final da viagem, carta para Murcia para devolver e enviar notícias.

Friday, February 09, 2007

Porque não controlamos quem nos rodeia.. Aproveitemos!

Olho lá fora e vejo uma Árvore iluminada pelo Sol que se despede por hoje.

Ela aproveita os últimos minutos de encontro que tem com ele hoje, por que sabe que amanhã ele vem tarde. E depois de vir, irá uma vez mais, para mais uma longa noite longe.
Longe dele, longe de com quem quer estar. Do seu calor e dos seus raios loiros.

Hidrogénio e hélio, dizem os cientistas. Mas ela sabe que ele é muito mais que isso. É calor que a alimenta. É luz sem a qual não faria fotossíntese. É o seu Sol, mas ao mesmo tempo de tantos outros.

E sabe que ao final do dia, quando ele se despede, não há nada que possa fazer sem ser pedir que volte no dia seguinte. Independentemente de partir também nesse dia que vem, e no outro e no outro e no outro.

Mas que venha. Nem que venha só por um pouco. Mas que venha.