À boleia pela Vida... Viajar por Dentro e por Fora!

Dois meses mudaram toda a minha Vida. Sem esses dois meses e sem as pessoas com quem me cruzei não seria quem sou hoje. Hoje sou viajante! Mais que nunca! Planos para o futuro: Viver os meus sonhos! Fazer o que me preenche. Mostrar ao mundo que é possível viver os sonhos. Sempre!

Thursday, March 01, 2007

brasileiro por um dia...

Confesso: menti.

Menti com todos os meus dentes. Fingi ser quem não sou. Ainda por cima para quase uma centena de crianças.


Confesso: menti.



Mas já lá vamos. Primeiro vamos contextualizar.



Quanto a pormenores da viagem que não estejam relatados aqui, perguntem-nos. Porque se não metade da viagem seria passada a escrever sobre a metade vivida.. Por muito interessante e sedutor que isso se possa mostrar, não obrigado.


Ramboia da boa no Karneval de Köln, kms a pé na futura cidade submersa de Amsterdam (talvez então se resolva o problema de qual é, afinal, a capital dos Países Baixos..)...

(um aparte: alguém sabe a diferença entre Países Baixos e Holanda? Serão equivalentes? Serão as duas utilizadas correctamente? fica a questão.. Live and Learn)

... uma visita a Delft no dia de anos de um amigo (na verdade fomos de propósito porque ele estava doente.. nããããããã)..

Chega então a altura de partir para as nossas três estações finais.

Primeiro, ficou na mira conhecer pessoalmente aquele que será o meu "patrão" daqui a uns meses no Brasil. Passagem, portanto, por Maastricht (leia-se másstrirrrrt). Aliás, por Spaubeek, perto da primeira.
Saímos de Delft um pouco tarde demais e depois de algum trânsito ficamos 2h a secar (mas contraditoriamente à chuva) numa estação de serviço perto de Breda. O emaranhado de autoestradas daqueles pequeno país não ajuda muito quem viaja desta forma hiper-cultural, environment-friendly e barata como nós!

"É a tua vez não é?"

Lá conseguimos sair daquele cu do mundo (eu e a Di já equacionávamos lançar uma bomba atómica sobre Breda e anunciar na rádio que quem se deslocava para Breda dever-se-ia agora deslocar para Eindhoven ou Maastricht). Chegamos perto de Eindhoven e a paciência macerada pelas duas horas de espera à chuva com um papel a dizer "Eindhoven =)" fez-nos desistir de tentar chegar a Maastricht à boleia. O sentimento de derrota e o orgulho ligeiramente ferido, colmatado por prioridades maiores, conhecer aquele que me guiará num passo importantíssimo da minha Vida futura, levou-nos a pedir boleia para Eindhoven para então apanhar o comboio para Spaubeek.


Assim fazemos. "Mais 15 minutos?" "Errrrr... Mais três carros vá!" "Pronto, ok, vamos já pedir àquela senhora que disse que nos levaria até à estação de comboios."

Assim fazemos. Senhora super simpática. Falamos das nossas experiências até então. Relatamos estórias impressionantes que dois putos viveram em duas semanas de loucura. De aventura. De união. De partilha e de sorrisos que ficarão para sempre. "Percebeste?"



Ela faz uma chamada. Com o meu pouco alemão tento perceber o neerlandês dela. Consigo perceber "2 jovens", "Maastricht", "portugueses", "Eindhoven" e pouco mais. Recordando a viagem com o camionista Angel, pergunto-me se estará a tentar arranjar boleia de Eindhoven para Maastricht.

Desliga o telemóvel.

"OK, vou dormir a Maastricht"
"Fico com uma amiga e amanhã de manhã volto para Eindhoven."

Em 3 segundos muda de planos. Porquê? Só me pergunto isto: PORQUÊ?
Não estamos afinal no mundo dos terroristas, da ETA, da Al-Qaeda, do Bush e do urânio enriquecido no Irão, da alemã que foi morta por um homem que lhe deu boleia na Nova-Zelândia? Onde a gasolina é cara demais e todos vivemos com pressa e sem tempo para nada que não esteja previsto.

Que mundo é este em que as pessoas decidem continuar por mais 90 ou 100 kms para nos deixar onde queremos chegar?

É que eu não devo viver no mesmo mundo que os outros então. Até me repreendem por levar amigas atrás e "arrastá-las para o perigo", "incutir-lhes a minha doutrina".
Que mundo é este então? Ou será que o mundo sempre foi este e nós é que vivemos com medo dele? Eu e a Diana sabemos que, pelo menos esta senhora e as restantes 30 ou 40 pessoas que nos deram boleia nesta viagem, irão para casa e talvez reavaliem o mundo em que vivem. Talvez adormeçam pensando: "Afinal o mundo não é tão cruel como eu pensava."

Sim, esse é um dos motivos, entre outros tantos, que me leva a viajar à boleia.


Voltando à estrada..

Somos deixados perto de casa do Bart ao frio, um pouco de chuva e literalmente em Nenhures. Só faltava uma placa a anunciá-lo.

Chega então o Bart.
Horas antes equacionei esquecer esta paragem e seguir directamente para casa da Mosca. Minutos depois perceberia o erro que cometeria se assim fizesse.

Ficamos umas horas a falar. Não sei quantas. Não contei. Não consegui. Estava demasiado imerso em cada movimento dos lábios dele. Em cada som que emitia. Em cada expressão.
Esta é a pessoa que dirige o projecto a quem vou entregar a minha vontade e o meu idealismo. A ele em detrimento de milhares outros projectos pelo mundo fora. Até então não tinha registado mais que um site, umas fotos e uma entrevista telefónica de meia hora.

Agora estava frente a frente com ele e queria saber TUDO. Fiquei horas a falar. A conversa afunilou cada vez mais e a certa altura os nossos olhares quase não se desviavam. A Diana percebia tudo mas não estava no nosso comprimento de onda. Ou estava porque lá dentro sente-se feliz por mim.

Horas de avaliação constante. Descontraída, não oficial, implícita. Mas ele escolheu-me a mim enquanto voluntário que ficará por inteiro ao encargo da Casa do Caminho. Eu escolhi-o a ele e a este projecto para me dedicar e entregar. Como em nada antes na minha Vida. Nenhum de nós se pode enganar no início. Apostar numa casa construída sob areia é um plano falhado à partida.

Vou me deitar e o sentimento que me vem à cabeça é aquele que sempre vem quando penso no meu ano que vem. Assombramento. Respeito profundo como de quem mergulha no mar às duas da manhã. Fascínio mas um medo de morte. Questiono o "tamanho dos meus huevos" como disse o Angel.

Não consigo respirar. Sento-me e o meu cérebro pára. Pára como tem parado tantas vezes nos últimos tempos porque não consigo digerir e computar a aposta que vou fazer. Pára porque desconheço. Como nunca antes desconheci. Pára porque de repente sinto que "SIM, é isto que eu quero" E sinto isso como nunca antes. Como outros sentimentos que tais têm aparecido ultimamente noutras áreas. E percebo então a força dos meus sonhos.

"Porque os sonhos, quando são alimentados são mais forte que uma tempestade."

Deito-me. No dia seguinte vou ver uma apresentação do projecto a uma escola. Não me posso atrasar. Ponto de encontro: às 8h na cozinha.

A minha imunidade ao despertador assusta-me. Assusta-me de tal forma que não consigo dormir. De duas em duas horas olho para o despertador para me certificar que não estou atrasado. Às 6 decido levantar-me e ir escrever. Não consigo ficar na cama. Dormir é demasiado stressante.

Às 8.30 estamos na escola. Preparar o DataShow, preparar tudo, balões, um ponteiro improvisado feito de Legos.
Começa então a apresentação. E aí vejo como a massa das crianças responde aos bonecos, aos sons, às mensagens, à identificação pessoal e por fim percebem que são as crianças de rua que agora estão na Casa do Caminho.
O Bart diz: "Eu trabalho lá e o Miguel (leia-se Miguuuuel) também. O Miguuuel é brasileiro" Então todas se viram para mim e ficam fascinadas. Está aqui uma pessoa de lá. Do outro mundo. Do outro lado do Atlântico. Do sítio onde as crianças não têm Playstation, nem cachorros quentes nem 1 computador por cada duas delas.

"Oi"


A cena repete-se com os mais velhos. Aí já acima dos 10 anos. Mais uma apresentação. Falar sobre o Ronaldinho, o Carnaval e a Capoeira. Mostrar no mapa onde são os Países Baixos e onde é o Brasil (não o Brasil não é na Rússia como pensava uma menina das pequenas). Falar dos problemas e perceber que podemos, com pouco ajudar. Com fotos, e-mails, vídeos. Mostrar um pouco do nosso mundo a essas crianças. Deixam algumas mensagens gravadas em vídeo para que os novos amigos que estão a milhares de km possam ver quando o Bart partir de novo para o Brasil no dia 11 de Março.

Uma vez mais ele "mostra" o brasileiro que veio com ele. Os olhos viram-se e automaticamente calço o maior sorriso que tenho. Porque não concebo sequer outra forma de responder ao silêncio e fascínio daqueles olhos que estão agora a aprender que o mundo não é todo como o deles.

No final batem-se palmas e agradece-se a apresentação ao Bart. Eu levo na minha menina nova mais de 100 fotos desta manhã que marcará a minha Vida.
Então a mãe do Bart diz-me: "Estão ali umas meninas que querem o teu autógrafo."
Elas ficam histéricas quando entro na sala de aula. Mas o que elas sentem depressa se alastra a eles.

Numa questão de segundos tenho dezenas de miúdos e miúdas à minha volta com um papel estendido onde está escrito o primeiro nome deles para eu saber porque o brasileiro não fala neederlands e poderá não perceber quando eles dizem os seus nomes.

Passados dois ou três papeis percebo que estou, pela primeira vez, a responder em nome da Casa do Caminho. Não sou eu quem deixa aquelas palavras às dezenas de crianças. É sim a Casa do Caminho. Percebo então que tenho que deixar uma ponte. Tenho que continuar o que o Bart fez e pôr o meu tijolo na construção daquela ponte entre o Brasil e os Países Baixos. Entre crianças de cores diferentes mas interesses e instintos iguais. Entre a Lynn e o Edmilson.

Respiro então fundo antes de papel e espero que cada um daqueles papeis deixe uma pequena lembrança no coração de cada criança. Que talvez uma ou outra daqui a uns anos esteja atrás do computador e fazer o que eu faço ao traduzir textos para o site. Que uma ou outra arrume a mochila e dedique um pouco da sua Vida a ajudar as pessoas do outro lado do mundo, mesmo que este seja ao sair da sua porta.

Então espero que cada um deles se lembre daquele dia. Do dia em que o Miguel mentiu a dezenas de crianças fingindo ser brasileiro. No dia em que o Miguel disse que gostava de futebol e de capoeira e que os seus 5 irmãos tinham ficado no Brasil.


"Os meninos da Casa do Caminho ficam à espera das vossas fotos e e-mails. Um beijo do Miguel para a Nina."

"Vai uma partida de futebol? Os meninos da Casa do Caminho ficam à tua espera. Aparece! Um abraço para o Stefan do Miguel"

"Um sorriso quente e um pouco de samba de todos os meninos e meninas da Casa do Caminho para ti. Um beijo para a Lynn do Miguel"



Então as raparigas mais velhas disseram: "Mas eu para o ano já não estou na escola e não vou conseguir ajudar no projecto "Jaar Casa do Caminho" (Ano da Casa do Caminho). O que é que eu posso fazer então?"


Sim, Bart. Conseguimos.


Obrigado

3 Comments:

Blogger Ângela said...

"Caminho sem direcção
Procurando um rumo para os meus passos
Arranco as vendas do coração
Para entregar-me nas Tuas mãos

As palavras que ouço são duras
E os laços difíceis de soltar
É o mundo que me prende, eu acordo,
Vejo o dia a passar
E ainda há muito a mudar!

Tu me dizer para ir Contigo
Abandonar-me e tomar a cruz
Eu aceito o Teu pedido
E lado a lado vamos seguir"

Abandonaste-te, soltaste os laços e encontraste o teu rumo.
Sinto-me orgulhosa por conhecer alguém que é capaz de dizer "SIM", perder o medo e aceitar dar um Amor maior que a Vida.
Muitos parabéns e a maior força do mundo,

Ângela

3:02 AM  
Blogger Mike Weiss said...

ahahah... você deve ser uma figura.
E eu já me passei por português para pegar carona em Punta del Este. rs
Abraço!

4:13 PM  
Anonymous Anonymous said...

Sim, conseguiram, Miguel!
A única palavra que me vem à mente depois de ler isto é "amo-te"!
O bonito é que é um amo-te sem qualquer conotação sexual, não, eu amo a pessoa que és, porque és tão livre, tão cheio de objectivos dignos de se chamarem objectivos, porque nunca estás preso ao ego, estás livre no mundo... Amo-te, meu amigo.

Susana Gonçalves.

1:06 PM  

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